Novos áudios expõem como Moraes usou a estrutura do TSE informalmente, para monitorar manifestantes em Nova Iorque

O ministro Alexandre de Moraes recorreu à estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para monitorar e levantar informações sobre manifestantes que o xingaram, junto a outros ministros do STF, durante um evento privado em Nova York, nos Estados Unidos, em novembro de 2022. A ação, realizada fora do período eleitoral, utilizou recursos do TSE que deveriam ser destinados ao combate à desinformação, gerando controvérsias sobre a legalidade e os limites do uso dessas ferramentas.

Relatórios Informais e Ações Extraoficiais

Mensagens obtidas pela Folha de S.Paulo revelam que o monitoramento teve início antes de Moraes chegar aos EUA. O ministro solicitou ao juiz Marco Antônio Vargas, então no gabinete da presidência do TSE, que coordenasse o levantamento de informações sobre postagens nas redes sociais que convocavam manifestações contra os ministros do STF em Nova York. Vargas acionou Eduardo Tagliaferro, chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, para produzir relatórios sobre as publicações.

Em comunicações internas, assessores de Moraes expressaram preocupações sobre a legalidade do procedimento.

“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada… Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório?”,

Afirmou um dos envolvidos, revelando o conhecimento de que a operação poderia ser considerada irregular.

Lide Brazil Conference

O evento em questão foi o Lide Brazil Conference, organizado pelo grupo Lide, vinculado à família do ex-governador João Doria. Além de Moraes, participaram do encontro os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Durante a conferência, vídeos de manifestantes bolsonaristas xingando os ministros em locais públicos, como restaurantes e hotéis, viralizaram nas redes sociais.

Em resposta, Moraes ordenou o monitoramento de publicações nas redes sociais, alegando riscos à segurança dos ministros. Tagliaferro foi encarregado de identificar possíveis ameaças e elaborar um relatório detalhado. Entre as postagens monitoradas, estavam convocações de carreatas e a divulgação dos endereços onde os ministros estariam hospedados. A produção do relatório gerou controvérsia interna, pois não havia qualquer relação direta com o contexto eleitoral, o que colocou em xeque a legalidade do uso da estrutura do TSE.

Conhecimento Interno sobre a Ilegalidade da Operação

Mensagens trocadas entre os envolvidos mostram que a preocupação com a ilegalidade era constante. Tagliaferro questionou a pertinência de o TSE se envolver em questões alheias ao processo eleitoral:

“Estou vendo como fazer isso pelo TSE, não faz menções às urnas, pleito ou instituição, fala STF”,

disse ele. A resposta do juiz Airton Vieira, responsável por coordenar a operação no gabinete de Moraes, foi clara: “Não se preocupe: o Ministro assinou hoje de madrugada a decisão pelo STF”, indicando que a decisão de prosseguir havia partido diretamente de Moraes, mesmo com os alertas.

O nível de detalhamento dos relatórios incluía não apenas informações sobre manifestantes anônimos, mas também dados de figuras públicas. Um dos alvos foi o cantor gospel Davi Sacer, que retuitou postagens incentivando as manifestações contra os ministros. Tagliaferro alertou para o risco de uma ofensiva contra Sacer, afirmando que “esse cara é o cantor gospel mais famoso e influente, vai revoltar católicos e evangélicos”. Apesar disso, Airton Vieira respondeu que a ordem vinha de Moraes e, portanto, deveria ser cumprida.

Impacto e Implicações

O uso da estrutura do TSE para uma função alheia ao período eleitoral e o conhecimento dos riscos de ilegalidade pelos próprios assessores levantam questionamentos sobre a ética e a legitimidade da ação. Especialistas em direito constitucional apontam que o uso de recursos eleitorais para fins que extrapolam a competência do TSE pode configurar abuso de poder e desvio de finalidade.

A operação envolveu não apenas manifestantes anônimos, mas também figuras políticas como a deputada bolsonarista Carla Zambelli e o blogueiro Allan dos Santos, atualmente foragido da Justiça brasileira e morando nos EUA. A insistência em monitorar essas figuras, mesmo após alertas internos, reforça a seletividade das ações, direcionadas a opositores políticos e críticos do STF.

Conclusão

O caso expõe os limites tênues entre a proteção institucional e o abuso de poder. A utilização da estrutura do TSE, desenhada para combater a desinformação eleitoral, em um contexto totalmente desconectado desse propósito, levanta sérias dúvidas sobre o uso legítimo dos recursos públicos.