A recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de permitir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva permaneça com um relógio de luxo de R$ 60.000,00 que recebeu de presente em uma viagem oficial à França, desestruturou uma das principais teses usadas pela Polícia Federal (PF) para justificar o pedido de indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no polêmico caso das joias sauditas. O julgamento, realizado na última quarta-feira (7), traz consequências que podem alterar o curso das investigações em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
O inquérito contra Bolsonaro investiga se o ex-presidente se apropriou indevidamente de presentes oferecidos por autoridades estrangeiras, contrariando o entendimento de que tais itens deveriam ser incorporados ao patrimônio público. Esse entendimento foi fortemente sustentado por um acórdão do TCU de 2016, citado nada menos que 26 vezes no relatório de 476 páginas da PF, que considerava ilegal a retenção de presentes de luxo por parte de chefes de Estado. No entanto, a recente mudança de interpretação por parte do TCU enfraquece essa argumentação, lançando novas dúvidas sobre o destino do processo contra Bolsonaro.
A Virada de Entendimento no TCU
O acórdão de 2016 do TCU, que determinava que apenas itens de uso pessoal e baixo valor poderiam ser mantidos pelos presidentes, foi essencial para a construção do caso da PF contra Bolsonaro. Na ocasião, o TCU analisou a retenção de itens de valor que permaneceram com Lula após seus dois mandatos, concluindo que presentes de luxo deveriam ser destinados ao patrimônio público.
Contudo, essa tese foi desfeita no julgamento recente, onde o TCU, por maioria de cinco votos entre nove ministros, concluiu que não existe uma legislação específica que obrigue ex-presidentes a devolver presentes, independentemente de seu valor. Essa decisão abriu um precedente que não só beneficiou Lula, mas também oferece uma nova linha de defesa para Bolsonaro, cujo indiciamento pode agora ser questionado com base nesse novo entendimento.
Implicações da decisão em favor da defesa de Bolsonaro
A defesa de Bolsonaro já sinalizou que utilizará este novo entendimento do TCU para contestar a tese de crime na retenção das joias. Os advogados argumentam que, se houve algum erro, foi de natureza administrativa, baseado nas orientações recebidas de funcionários do governo, como Marcelo Vieira, ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência.
Vieira, segundo as investigações, autorizou que as joias fossem incorporadas ao acervo privado de Bolsonaro, interpretando de forma controversa o conceito de ‘bens personalíssimos’. A PF considerou que esta interpretação era “diametralmente oposta aos fundamentos legais e constitucionais” descritos no acórdão de 2016.
A posição da Polícia Federal
Após a decisão, Andrei Rodrigues, diretor-geral da PF, tentou minimizar o impacto da mudança de entendimento do TCU na investigação de Bolsonaro, afirmando que o caso envolve mais do que “questões meramente administrativas”. Segundo Rodrigues, o inquérito abrange uma série de condutas potencialmente criminosas, incluindo a omissão de informações, ocultação de bens e advocacia administrativa, que transcendem a simples recepção de presentes.
Mesmo assim, a defesa de Bolsonaro pretende usar a nova decisão do TCU como um pilar central para desqualificar as acusações. Os advogados do ex-presidente já indicaram que a tese de defesa se apoiará na ideia de que qualquer irregularidade que tenha ocorrido foi de natureza administrativa, e não criminal, desafiando a sustentação legal do relatório da PF.
O relatório da PF argumenta que o então chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência da República, Marcelo Vieira, extrapolou ao permitir que Bolsonaro mantivesse as joias sauditas em seu acervo privado. De acordo com a investigação, essa decisão desconsiderou os valores dos itens e ampliou ilegalmente o conceito de “bens personalíssimos”, contrariamente ao acórdão de 2016.