Juiz afastado em MT, Ivan Lúcio Amarante, recebeu R$ 750 mil para pagar pais de santo em esquema de lavagem de dinheiro e venda de sentenças

A oitava fase da Operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal no último dia 29, aprofundou a investigação sobre um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o juiz Ivan Lúcio Amarante, titular da 2ª Vara da Comarca de Vila Rica, Mato Grosso. O magistrado foi afastado do cargo por determinação do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que também autorizou o bloqueio de R$ 30 milhões em bens ligados ao juiz e a outros investigados.

juiz afastado Ivan Lucio Amarante

O esquema e os personagens

As investigações tiveram início após o assassinato do advogado Roberto Zampieri, morto a tiros em dezembro de 2023 em frente ao seu escritório em Cuiabá. Zampieri, apontado como operador do esquema de venda de sentenças, mantinha uma relação próxima com Ivan Lúcio, conforme revelado em diálogos encontrados no celular do advogado.

O juiz Ivan Lúcio Amarante é suspeito de receber propinas milionárias em troca de decisões judiciais favoráveis. Segundo a PF, ele recebeu ao menos R$ 750.900,00 em 43 depósitos fracionados, realizados entre 8 de setembro de 2023 e 30 de julho de 2024, por meio de sua esposa, Mara Patrícia Nunes Amarante. A defesa do magistrado afirma que os valores foram usados para despesas pessoais e “desenvolvimento espiritual”, repassados a pais de santo e líderes religiosos.

Além da esposa, a ex-mulher de Ivan Lúcio também aparece nas investigações. Ela constituiu a empresa JSA Logística, que movimentou R$ 208 mil em dinheiro vivo entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023, valores incompatíveis com sua renda declarada e sem empregados registrados, o que reforça a suspeita de que a empresa era uma fachada para lavagem de dinheiro.

O papel das empresas e os repasses a líderes religiosos

A esposa do juiz criou em 2023 a MP Santos Logística e Transportes Ltda, empresa que, apesar do nome, não possui empregados nem experiência no setor, já que Mara é formada em biomedicina e tinha um salão de beleza antes da constituição da empresa. A Polícia Federal identificou que essa empresa foi usada para movimentar valores incompatíveis com sua atividade econômica.

Do total de R$ 750,9 mil repassados por Mara a Ivan Lúcio, parte foi transferida para quatro líderes religiosos ligados a terreiros de umbanda e candomblé, como forma de justificar os pagamentos. Foram identificados repasses de R$ 250 mil para Fernando César Parada, pai de santo em São Paulo; R$ 74 mil para Diego Sequeira Oliveira; R$ 217 mil para Marcionei Dias Ferreira; e R$ 235 mil para Aline Melo da Silva, esposa de Silvio Fernandes Rodrigues, também pai de santo em Cuiabá.

A defesa do juiz apresentou esses dados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como prova de que os valores não configurariam evasão de divisas, alegando que os pagamentos seriam para seu “desenvolvimento espiritual e religioso”. No entanto, a Corregedoria Nacional da Justiça, representada pelo ministro relator Mauro Campbell Marques, apontou que as transferências tinham padrão artificial, com depósitos frequentes em valores idênticos e elevados, incompatíveis com a capacidade financeira declarada da esposa do magistrado.

O modus operandi e o aprofundamento das investigações

A investigação revelou que o esquema usava empresas de fachada para ocultar o pagamento de propinas em dinheiro vivo, repassadas por meio da esposa e da ex-mulher do juiz. As empresas não tinham empregados nem movimentação compatível com os valores transferidos, o que caracteriza lavagem de dinheiro.

O juiz Ivan Lúcio está afastado desde outubro de 2024, por decisão do Conselho Nacional de Justiça, que instaurou processo administrativo disciplinar (PAD) contra ele. O STF confirmou o afastamento e autorizou o bloqueio dos bens.

A Operação Sisamnes também revelou a existência de uma organização criminosa com estrutura militarizada, que atuava com espionagem, ameaças e assassinatos por encomenda, incluindo o assassinato de Roberto Zampieri. Essa organização tinha uma tabela de preços para execuções, que variava de R$ 100 mil para deputados a R$ 250 mil para ministros do Judiciário.

Impactos e reflexões sobre a crise ética no Judiciário

O caso do juiz Ivan Lúcio expõe uma grave crise institucional no Judiciário brasileiro, onde decisões judiciais são mercantilizadas e o sagrado é instrumentalizado para encobrir práticas ilícitas. A utilização de líderes religiosos como intermediários financeiros revela a manipulação simbólica do espiritual para dar aparência de legitimidade a um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro.

A operação demonstra a complexidade dos esquemas de corrupção, que envolvem não apenas o Judiciário, mas também advogados, empresários e grupos criminosos organizados, ameaçando a integridade das instituições democráticas.

A resposta institucional, com o afastamento do magistrado, bloqueio de bens e aprofundamento das investigações, é necessária, mas insuficiente para restaurar a confiança pública. A crise ética exige uma reconstrução profunda da cultura institucional, pautada na transparência, na responsabilidade e na reafirmação dos valores fundamentais da justiça e da verdade.