Na última quarta-feira, 23, o Brasil testemunhou um dos episódios mais deploráveis de nossa história judicial: o Supremo Tribunal Federal, em mais uma demonstração de arbítrio, determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro fosse citado em seu leito de UTI, no Hospital DF Star, em Brasília.

Debilitado após sua sétima cirurgia decorrente das complicações da facada sofrida em 2018 — um procedimento de 12 horas para tratar aderências intestinais e reconstruir a parede abdominal —, Bolsonaro foi exposto à ação de uma oficial de Justiça em seu leito na UTI, tudo sob o pretexto esfarrapado de que sua participação em transmissões online comprovaria sua aptidão para ser formalmente humilhado.
O STF e sua sede de espetáculo
O que deveria ser um procedimento técnico e reservado converteu-se, sob as bênçãos da Corte Suprema, em um grotesco espetáculo midiático, minuciosamente arquitetado para exibir poder e submeter o adversário político. A Justiça brasileira, capitaneada pelo STF, abandonou sua missão constitucional de salvaguardar direitos fundamentais para se transformar em produtora de humilhações públicas contra seus desafetos.
A truculência jurídica escancarada nessa operação revela o prazer que o tribunal parece encontrar em seus exercícios de poder. A cena degradante de um ex-chefe de Estado vulnerabilizado sendo importunado na UTI não provoca constrangimento nos ministros – pelo contrário, parece ser recebida como um troféu, mais uma demonstração de força travestida de legalidade.
A pergunta que ecoa sem resposta
É imperativo questionar, sem ingenuidade e com a desconfiança que a Corte hoje merece: se o paciente hospitalizado fosse parente consanguíneo de algum ministro togado, o mesmo procedimento seria autorizado? Permitiriam que um oficial de Justiça irrompesse numa UTI, ignorando protocolos médicos e sanitários, para cumprir formalidades processuais?
A resposta é cristalina até para os mais incautos: jamais. Para o círculo íntimo do poder judiciário, inventar-se-ia alguma fórmula jurídica elegante que dispensasse tamanha agressão. O STF fabricou uma jurisprudência exclusiva para Bolsonaro – como fabrica exceções para todos aqueles que ousam desafiar o regime que consolidou em Brasília. A parcialidade não é mais disfarçada; é escancarada com orgulho.
Associação dos Oficiais de Justiça: cúmplices do abuso
A entidade de oficiais de Justiça, em atitude constrangedora, reclamou da filmagem que expôs a citação de Bolsonaro na UTI. A pergunta que já pairava se impõe agora com ainda mais força:
Se a paciente fosse a mãe de um dos diretores dessas entidades, a citação também teria ocorrido assim? Numa UTI, com a mãe debilitada, cheia de cateteres, sendo constrangida a assinar com uma caneta contaminada, apenas para formalizar uma intimação?
Sim, foi Bolsonaro quem mandou filmar e divulgou o vídeo. E ainda bem que o fez.
Não fosse essa iniciativa, o país não teria testemunhado o quão distorcido e corrompido está o sistema judicial quando se trata de perseguir seus desafetos. A filmagem trouxe luz sobre práticas que prefeririam manter nas sombras — e, como toda luz, incomodou.
A rendição da medicina à toga
A invasão da UTI foi acompanhada pelo silêncio covarde da classe médica. Onde estavam os médicos responsáveis, que, segundo qualquer protocolo sanitário ou ético, deveriam ter impedido a entrada de estranhos em ambiente hospitalar crítico?
Onde estavam as normas hospitalares que, para qualquer cidadão comum, proíbem visitações fora dos parâmetros estritamente controlados? Não foi apenas a Justiça que falhou. A própria comunidade médica – seja por temor, conveniência ou servilismo – tornou-se cúmplice do teatro jurídico, permitindo que a UTI se transformasse em palco para a execração pública de um paciente.
A pergunta, portanto, é inevitável: em que momento o Brasil deixou de ser uma República de cidadãos protegidos por direitos, para se tornar um laboratório de humilhações institucionais patrocinadas pelo poder ilimitado?
A seletividade escandalosa do Supremo
A pressa em citar Bolsonaro na UTI não apenas afronta o bom senso – expõe uma hipocrisia monumental. Onde está essa mesma urgência nos milhares de processos que dormitam nos escaninhos do Supremo? Onde está essa eficiência relâmpago em julgamentos que envolvem aliados políticos ou em inquéritos sigilosos que se arrastam há anos sem solução?
A verdade é inescapável: o STF só é célere quando interessa à sua estratégia de poder. Quando o alvo é politicamente conveniente, a Justiça atropela; quando o réu é amigo do sistema, a Justiça hiberna.
Quantos inquéritos eternos repousam no Supremo, servindo de chantagem silenciosa ou de moeda de troca política? Quantas figuras poderosas beneficiam-se da benevolência dos prazos infinitos e dos esquecimentos convenientes?
A “urgência” de citar Bolsonaro não é apenas seletiva: é uma confissão explícita da instrumentalização da Justiça para fins políticos específicos.
Justiça ou vingança institucionalizada?
Não é mais possível sustentar a ficção de que o STF atua como guardião imparcial da ordem constitucional. A Corte tornou-se, há muito, uma máquina de poder e vingança política, abandonando qualquer simulacro de neutralidade. Seus ministros, que deveriam ser intérpretes da Constituição, comportam-se como políticos togados – ora perseguidores implacáveis, ora protetores generosos, conforme os ventos da conveniência.
O processo contra Bolsonaro – independentemente dos méritos ou deméritos da acusação – já nasce contaminado pela teatralização, pela desproporcionalidade e pelo oportunismo de seus algozes. O resultado final – seja qual for – estará para sempre maculado pela suspeição. Não porque Bolsonaro mereça imunidade, mas porque o STF, por seu comportamento, já não merece credibilidade.
Quando o tribunal que deveria representar o ápice da imparcialidade passa a agir como parte interessada, o próprio conceito de Justiça é assassinado em praça pública.
Quando o poder da toga devora o direito
A citação hospitalar de Jair Bolsonaro não foi um ato jurídico: foi uma peça publicitária do poder. Não foi um procedimento legal: foi um show de horrores institucionais.
O STF, ao permitir que sua autoridade fosse usada para espetacularizar a humilhação de um réu – ainda que controverso – demonstrou que já não se enxerga como instrumento da Justiça, mas como protagonista de um regime onde o poder judicial reina absoluto, arbitrário e ideologicamente direcionado.
O episódio da UTI será lembrado não pela gravidade das acusações contra Bolsonaro, mas pela degradação moral de uma Corte que trocou a imparcialidade pelo palanque, o direito pelo espetáculo, e a justiça pela vingança.