GilmarPalooza é o retrato das instituições brasileiras, sem balizas legais e morais, entregues a lobbies e poderes ocultos

O que se assiste em Lisboa, sob o eufemismo de “Fórum Jurídico”, nada mais é que a missa de corpo presente da República. O chamado “GilmarPalooza” não é uma mera exibição de vaidades togadas em férias remuneradas; é a própria apoteose da promiscuidade institucional brasileira, a feira livre onde a elite que sequestrou o Estado se reúne para leiloar o futuro do país entre taças de vinho e convescotes de luxo.

Enquanto o brasileiro comum, o pagador de impostos, financia a farra, a casta se refestela, celebrando a grande maçonaria de interesses que une ministros, políticos, empresários de reputação duvidosa e, claro, os onipresentes escritórios de advocacia, verdadeiros agiotas da influência.

Este espetáculo grotesco, que desloca anualmente o centro do poder de Brasília para a capital portuguesa, é organizado pelo instituto de um ministro da Suprema Corte – uma aberração que, em qualquer nação séria, fulminaria carreiras e desmoralizaria um tribunal. Mas aqui, no Brasil, é apenas mais um item no cardápio da normalização do absurdo. Com a desfaçatez de quem já não se preocupa em disfarçar, o evento reúne, sob o mesmo teto de hotéis e restaurantes cinco estrelas, a raposa, o galinheiro e o segurança do galinheiro, todos irmanados no mesmo propósito inconfessável.

A lista de participantes é o mais puro extrato da oligarquia nacional: de um lado, ministros do STF e do STJ, cuja função seria a de guardiões da lei; de outro, os presidentes da Câmara e do Senado, os mesmos que deveriam fiscalizar os atos do Judiciário. A eles se juntam governadores, dezenas de parlamentares e um séquito de assessores, todos viajando com passagens e diárias que já ultrapassam a casa de milhões de reais dos cofres públicos.

E para completar o balé, os patrocinadores: os grandes bancos, as gigantes da indústria e, agora com assento cativo, as Big Techs, as novas soberanas globais. Como não poderia deixar de ser, as bancas de advocacia que faturam bilhões em causas que tramitam, precisamente, nas mesas dos magistrados presentes, completam a lista de convidados.

Pergunto, com a clareza que a situação exige: que debate jurídico sério pode ocorrer quando um banco oferece um “happy hour” privado para as “autoridades”? Que isenção pode ter um juiz que confraterniza com executivos de multinacionais de tecnologia que, sob o pretexto de um “diálogo institucional”, promovem seus próprios eventos de luxo para dobrar legisladores e magistrados aos seus interesses? Isso não é diálogo, é conluio. Não é aprimoramento jurídico, é tráfico de influência gourmetizado, onde o destino de litígios bilionários e de leis cruciais para o país é selado entre um canapé, um aperto de mão e a promessa de “parceria estratégica”.

O fenômeno já criou uma nova estirpe de profissionais: os advogados de sobrenome, os filhos e parentes de ministros que, desprovidos de notório saber jurídico, adquirem notória capacidade de “abrir portas”. Seus escritórios, antes inexpressivos, florescem da noite para o dia, acumulando honorários milionários não pela excelência de suas teses, mas pela excelência de suas conexões. Eles circulam pelo “GilmarPalooza” não como meros participantes, mas como mestres de cerimônia, os intermediários que vendem acesso e proximidade como a mais valiosa das mercadorias.

Enquanto a pauta oficial do evento se esmera em temas pomposos como “democracia” e “inteligência artificial”, o verdadeiro negócio é outro. É a “azeitona na empada” do poder, a garantia de que, longe dos olhos do povo, as engrenagens do sistema continuarão a girar em favor dos de sempre – sejam eles banqueiros, empreiteiros ou os novos barões do Vale do Silício. Desde quando a função de um ministro do Supremo é ser animador de auditório para a elite política e empresarial? Desde quando cabe a um juiz atuar como mediador de acordos entre Executivo e Legislativo, como um despachante de luxo tentando apaziguar uma briga de comadres?

A verdade, nua e crua, é que o “GilmarPalooza” é o retrato de um país moralmente anestesiado, que assiste passivamente à transformação de seus juízes em celebridades e de seu Judiciário em um balcão de negócios. É a confissão pública de que, no Brasil, a Justiça não é cega. Pelo contrário, ela enxerga muito bem, e sabe exatamente para quem piscar na hora certa. O povo, esse eterno palhaço do circo estatal, paga a conta do espetáculo e, ao final, ainda é obrigado a aplaudir.