Para rolar a dívida dos Correios, bancos pressionam Governo a tornar o contribuinte o fiador da operação

Os Correios enfrentam um colapso financeiro estrutural, resultado de anos de ingerência política e um modelo de negócios obsoleto. A estatal está esmagada sob uma dívida estimada por consultorias em R$ 9 bilhões, sem sequer contar o passivo de R$ 2,5 bilhões do fundo de pensão Postalis. A empresa sangra por dois flancos simultaneamente.

Por fora, está presa numa tempestade perfeita: sua principal fonte de receita (70%, de encomendas) é dizimada pela concorrência feroz do setor privado, enquanto sua obrigação de monopólio (30%, de cartas) é um negócio obsoleto que encolhe ano a ano. Por dentro, a hemorragia é alimentada por um histórico crônico de má gestão, gastos supérfluos, apadrinhamentos políticos e contratos suspeitos que aceleraram o rombo.

É neste cenário de insolvência iminente que a empresa busca no Governo Federal uma saída que pode custar caro ao contribuinte.

O “Plano de Modernização” de R$ 4 Bi que começa resgatando bancos

O “Plano de Modernização” de R$ 4 bilhões, solicitado pela empresa ao Governo Federal, é a fachada pública da operação. O que ela expõe, na verdade, é uma engenharia financeira onde o resgate de credores vem primeiro. Metade desse valor (R$ 2 bilhões) não irá para tecnologia ou logística, mas sim para o vencimento iminente de dívidas hoje nas mãos do Bradesco, Santander e Banco do Brasil.

A Troca Exigida: Bancos recusam R$ 2,1 Bilhões em imóveis e querem “Risco Zero”

O ponto nevrálgico não é o empréstimo em si, mas a troca de garantias. Atualmente, os bancos detêm R$ 2,1 bilhões em imóveis dos Correios. Em uma renegociação padrão, esses ativos seriam usados. No entanto, os bancos estão exigindo algo muito mais valioso: o aval do Tesouro Nacional.

Isso transforma fundamentalmente a natureza da operação. Os bancos estão, na prática, recusando os ativos físicos da estatal e exigindo o “risco zero” do Tesouro, ou seja, a garantia soberana do contribuinte. Para um banco, uma garantia imobiliária é um ativo de baixa liquidez, de difícil execução e que exige provisionamento de perdas. Um aval do Tesouro, por outro lado, é um ativo de primeira linha, sem risco, que limpa o balanço do credor instantaneamente.

A Chantagem do “Serviço Universal”: O pretexto para a transferência de risco para o povo

Não é um simples pedido de empréstimo; é uma manobra de troca de garantias. Os bancos estão transferindo o risco de um mau crédito de seus balanços privados diretamente para os cofres públicos.

A “má gestão” histórica e a necessidade inquestionável do “serviço universal” tornam-se, assim, o escudo moral perfeito para justificar essa transferência. A obrigação social dos Correios é usada como álibi para uma operação que beneficia primariamente seus credores financeiros.

A Solução Ignorada: Por que ninguém fala em vender os ativos da Estatal?

O que não é dito na narrativa dominante é que esta não é a única saída. A própria existência de um patrimônio imobiliário tão vasto aponta para a alternativa óbvia: a venda desses ativos ou sua securitização, via Fundos Imobiliários ou CRIs, para levantar capital no mercado, como sugerem economistas.

A escolha pelo aval do Tesouro, o maior já solicitado por uma estatal, não é, portanto, uma fatalidade econômica, mas uma escolha política e financeira. É o caminho de menor resistência, que evita o desgaste da venda de ativos, acalma os sindicatos e, crucialmente, atende à exigência dos bancos.

Portanto, a operação que se desenha se assemelha menos a um plano de salvação dos Correios e mais a uma socialização de perdas privadas, onde o contribuinte é chamado a ser o fiador de luxo para um risco que não deveria ser seu.