Pavel Durov subiu ao palco com uma declaração de guerra direta contra o domínio das grandes empresas de tecnologia. No evento “Blockchain Life 2025”, realizado em 29 de outubro, o fundador do Telegram anunciou o “COCOON“, sigla para Confidential Compute Open Network. Trata-se de um novo sistema que promete descentralizar a computação de inteligência artificial usando como base financeira a blockchain The Open Network (TON).

A iniciativa depende de alugar o poder de processamento de placas de vídeo (GPUs) e pagará aos usuários com a moeda nativa, o Toncoin. A promessa é tentadora: uma IA que não espiona seus dados. Mas já há quem diga que o projeto pode ter mais a ver com fortalecer o próprio império do russo do que com liberdade digital, especialmente lembrando seu histórico com a SEC, a comissão de valores dos EUA.
GPU ociosa vira renda, mas o pagamento é trancado em Toncoin
A apresentação em Dubai descreveu o Cocoon como um “mercado aberto”. De um lado, qualquer pessoa com uma placa de vídeo ociosa poderá alugar esse poder de processamento para a rede. Em troca, receberá o já mencionado token. Do outro lado, desenvolvedores que precisam de capacidade computacional para suas aplicações, como resumir textos ou gerar mensagens, terão acesso a um recurso mais barato e, segundo o discurso, privado.
Durov posicionou o Cocoon como uma ferramenta de liberdade digital. O argumento é que, ao contrário dos sistemas da Amazon, Google ou OpenAI, que processam informações em servidores centralizados e podem monitorar tudo o que o usuário faz, o projeto seria confidencial. A plataforma, segundo ele, foi criada para que nem mesmo os operadores dos computadores consigam inspecionar o conteúdo que está sendo analisado.
Com lançamento marcado para novembro de 2025, o próprio Telegram figura como o primeiro grande cliente, integrando essa IA “privada” em seus mini-apps e bots, mirando sua base de mais de um bilhão de cadastrados.
Queda de 800 milhões para 287 mostra fogo que já se apagou
Porém, por trás da retórica de resistência e privacidade, surge uma imagem mais complexa. Especialista ouvidos dizem que o Cocoon parece ser uma estratégia para gerar demanda real para a TON. A história dessa blockchain é cheia de reviravoltas; originalmente um projeto do Telegram, foi abandonada após uma briga com a SEC. Depois de seguir por conta própria, a empresa agora retorna a ela com força total.
O sistema cria um ciclo fechado: o aplicativo leva os usuários, os desenvolvedores pagam pelos serviços em Toncoin, e os fornecedores de GPUs recebem a mesma moeda. É uma engrenagem desenhada para dar uso e valor ao ativo digital.
A própria ideia de descentralização também merece desconfiança. Quando o Telegram, com seu bilhão de contas, atua como o principal cliente da rede, ele se torna o maior formador de demanda. Isso cria um ponto de concentração de influência inegável. Se a maior parte dos trabalhos no Cocoon vier de apps aprovados pela companhia, o ecossistema será, na prática, um território controlado, mesmo que os computadores estejam espalhados pelo mundo.
Dados recentes mostram que a estrutura TON precisa de um empurrão: seu valor total bloqueado despencou de picos de quase 770 para cerca dos atuais 113 milhões de dólares, um sinal de que o entusiasmo inicial esfriou.
A chave muda de mão, mas o controle permanece
Além disso, a promessa de computação confidencial é tecnicamente complexa e, até agora, pouco explicada. Durov não detalhou como a rede garantirá, com base criptográfica, que um operador de GPU não possa acessar os dados que processa. Sem essa prova, os desenvolvedores estarão trocando a vigilância conhecida das gigantes por uma fé cega em uma estrutura anônima, paga com uma criptomoeda volátil que o próprio Telegram tem interesse direto em valorizar.
Pavel Durov está vendendo uma utopia de IA livre e privada, um casulo para proteger os usuários da vigilância das grandes empresas. Mas, ao olhar de perto, parece que ele está construindo um jardim murado. Um ecossistema onde o Telegram controla a plataforma, o acesso à audiência e a moeda que move tudo isso.
A pergunta que fica não é se a inteligência artificial descentralizada pode vencer as gigantes, mas se os consumidores estão apenas trocando de dono.