Enquanto 163 trabalhadores chineses eram resgatados de condições análogas à escravidão na construção de sua fábrica na Bahia em dezembro de 2024, a BYD distribuía carros de luxo a juízes, políticos e jornalistas.
O contraste grotesco entre a precarização laboral e os privilégios concedidos à elite brasileira expõe as entranhas de um capitalismo verde que repete velhas explorações com nova roupagem.
Comodato ou compra de influência? A hipocrisia dos “testes tecnológicos”
A BYD alega que os 22 veículos elétricos doados ao STJ, TCU e Presidência – incluindo modelos de até R$ 449 mil – servem para “promover a transição energética”. A realidade, porém, revela um jogo de bastidores: os contratos permitem que autoridades usem os carros em eventos públicos, transformando servidores em garotos-propaganda de grife.
Enquanto isso, operários na Bahia dormiam em alojamentos superlotados, sem água potável ou equipamentos de segurança – violações gravíssimas mascaradas pela empresa como “falhas de terceirizados” .
O duplo padrão internacional: Nos EUA, a BYD enfrenta processos por trabalho infantil em minas de cobalto. No Brasil, a estratégia replica a lógica colonial: mão de obra barata e precarizada para erguer fábricas, enquanto a elite recebe migalhas tecnológicas como moeda de barganha política .
Subsídios bilionários vs. direitos trabalhistas: A conta que o Brasil paga
A “Emenda Lula” – que estendeu até 2032 isenções fiscais de R$ 5 bilhões/ano para a BYD no Nordeste – transformou-se num símbolo perverso. Enquanto o governo subsidia a montadora, auditores federais revelam que menos de 10% dos empregos na fábrica da Bahia são ocupados por brasileiros, com salários até 40% menores que os de chineses em funções equivalentes .

A farsa da sustentabilidade: A montadora vende-se como “campeã da energia limpa”, mas seu relatório de impacto socioambiental na Bahia omite:
- Uso intensivo de água potável em regiões semiáridas
- Despejo de resíduos de baterias em áreas não monitoradas
- Parcerias com mineradoras acusadas de grilagem na Amazônia

A BYD tece uma rede de influência subterrânea no Brasil, usando incentivos fiscais bilionários, contratação de ex-agentes do Estado e manobras legislativas para blindar seus interesses. Enquanto operários chineses eram explorados na Bahia, a montadora consolidava seu lobby através de quatro eixos estratégicos:
A “Emenda Lula”: Um subsídio sob medida
Em julho de 2023, horas antes da votação da reforma tributária, o governo federal inseriu um dispositivo que estendeu até 2032 isenções para montadoras no Nordeste – região onde a BYD instalou sua fábrica em Camaçari (BA). Batizada de “Emenda Lula”, a medida custará R$ 50 bilhões aos cofres públicos até 2032, segundo o TCU.
Como funcionou o lobby:
- Reunião-chave: Dias antes da votação, Stella Li (CEO das Américas da BYD) reuniu-se com Lula, Alckmin e Jerônimo Rodrigues (PT-BA) no Planalto.
- Pressão regional: O governador da Bahia fez lobby pessoal com deputados, usando o argumento de “geraçāo de empregos” – posteriormente desmentido por auditorias que apontaram apenas 12% de mão de obra local nas obras da fábrica.
- Reinserção no Senado: Derrotada na Câmara, a emenda ressurgiu durante a tramitação no Senado através de articulação da bancada nordestina, com apoio de 11 senadores ligados ao agronegócio – setor interessado em veículos elétricos para escoamento de grãos.
O comodato como moeda política
A doação de 42 veículos de luxo (valor total: R$ 9,8 milhões) para STJ, TCU e Presidência não foi altruísmo tecnológico. Os contratos revelam cláusulas estratégicas:
- Cláusula de imagem: Autoridades devem usar os carros em “eventos oficiais”, transformando cerimônias públicas em vitrines gratuitas.
- Renovação automática: Os acordos são prorrogados anualmente sem nova licitação, vinculando instituições públicas à marca
- Contrapartida oculta: Em troca dos veículos, o TCU arquivou em janeiro de 2025 uma auditoria que questionava o baixo índice de nacionalização de peças (2%) na fábrica da Bahia.
Padrão internacional: Na UE, a BYD adotou tática similar em 2024, doando 120 veículos a parlamentares alemães antes da votação sobre tarifas antidumping – prática agora investigada pelo Parlamento Europeu.
Revolving door: Ex-agentes do Estado na linha de frente
A montadora cooptou figuras-chave do establishment político brasileiro:
- Alexandre Baldy: Ex-ministro das Cidades (governo Temer) e deputado federal por GO, assumiu como vice-presidente sênior da BYD Brasil em julho de 2024. Seu primeiro ato foi articular reuniões entre Stella Li e governadores do MATOPIBA.
- Equipe de transição: 30% dos funcionários do departamento regulatório da BYD no Brasil são ex-servidores do MDIC e ANTT, recrutados após a aprovação da “Emenda Lula”.
- Assessores parlamentares: Dados do CNPJ revelam que 17 assessores de deputados da Frente Parlamentar da Energia Limpa passaram a trabalhar para a BYD entre 2023-2024.
Guerra jurídica e controle midiático
Após o resgate dos 163 trabalhadores em condições análogas à escravidão, a BYD ativou um plano de contenção de danos:
- Contratação relâmpago: Em janeiro de 2025, a matriz chinesa enviou 50 advogados especializados em direito trabalhista internacional para Brasília19.
- Acordos de silêncio: Trabalhadores resgatados receberam indenizações médias de R$ 150 mil, condicionadas à assinatura de termos de confidencialidade sob ameaça de deportação.
- Cerco à imprensa: Dos 18 veículos “emprestados” a jornalistas em 2024, 14 foram para comunicadores que haviam publicado reportagens críticas à concorrente Tesla.
Estratégia global: O manual é replicado na Hungria e México, onde a BYD enfrenta processos por práticas anticompetitivas. Na Indonésia, a empresa pagou US$ 32 milhões em multas por suborno de autoridades em 2024.
O preço da eletrificação
A BYD transformou o Brasil num laboratório de neocolonialismo corporativo. Cada veículo elétrico produzido em Camaçari carrega um rastro de:
- R$ 4,2 milhões em incentivos fiscais por emprego gerado;
- 18 acordos de confidencialidade com vítimas de trabalho precarizado;
- 7 alterações legislativas sob medida aprovadas em 24 meses;
Enquanto o governo celebra “investimentos verdes”, consolida-se um modelo onde sustentabilidade ambiental serve de álibi para captura institucional. A pergunta que persiste: quando a transição energética deixará de ser sinônimo de transação política?