Menos de 12h no Rio: menor do tráfico mata turista por não seguir ‘protocolo’ do crime

Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2024 – O que deveria ser uma celebração de réveillon transformou-se em tragédia para Diely da Silva Maia, 34 anos, gerente contábil e fiscal, morta a tiros por um adolescente de 16 anos, integrante do Comando Vermelho (CV), após o veículo de aplicativo em que ela estava adentrar, por engano, uma comunidade controlada pela facção na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O crime, ocorrido na noite de sábado (28/12), expõe a brutalidade das regras impostas pelo tráfico e a vulnerabilidade de quem desconhece essas normas.

Diely, natural de Candiba (BA) e moradora de Jundiaí (SP) há oito anos, estava no Rio pela segunda vez para celebrar o réveillon com amigas. Horas antes da tragédia, havia publicado fotos em uma praia carioca, demonstrando alegria e expectativa para a virada do ano. A cena de felicidade contrasta brutalmente com o desfecho de sua história.

Diely foi morreu ainda no carro de aplicativo atacado

O crime: uma sequência de equívocos fatais

Por volta das 22h, Diely solicitou uma corrida por aplicativo na Rua Célio Fernandes dos Santos Silva, no Recreio, com destino à Gávea. O motorista, Anderson Sales Pinheiro, 29 anos, pernambucano e recém-chegado ao Rio, seguiu a rota indicada pelo GPS, que o levou à comunidade do Fontela, área sob controle do Comando Vermelho.

Ao percorrer cerca de 600 metros pela Rua Caminho do Fontela, o veículo foi interceptado por criminosos. Anderson, desconhecendo as regras impostas pela facção, não cumpriu o “protocolo” exigido para trafegar em áreas dominadas: vidros abaixados, luz interna acesa e pisca-alerta ligado. A falha em seguir essas normas, aparentemente simples, foi suficiente para desencadear o ataque.

Segundo testemunhas e investigações da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), um adolescente de 16 anos, integrante do grupo armado que atua como “segurança” do tráfico, foi o autor dos disparos. O menor, que já tinha envolvimento com o CV, estava de plantão naquela noite para monitorar a entrada de veículos na comunidade. Ao perceber que o carro de Anderson não seguia as regras, ele agiu rapidamente, efetuando vários tiros contra o veículo. Diely foi atingida fatalmente, enquanto Anderson escapou ileso.

A dinâmica do tráfico: regras rígidas e consequências brutais

O Comando Vermelho, facção que domina a comunidade do Fontela, impõe um rígido controle sobre quem entra e sai de seu território. O “protocolo” de segurança inclui trafegar com vidros abaixados, luz interna acesa e pisca-alerta ligado, medidas que, segundo os criminosos, garantem que o veículo não representa uma ameaça. Para os traficantes, a desobediência a essas regras é interpretada como uma afronta ou uma possível investida de grupos rivais ou da polícia.

O adolescente que atirou contra o carro de Anderson estava cumprindo ordens superiores. Ele foi instruído a agir de forma implacável contra qualquer veículo que não seguisse as normas. Após o crime, o menor fugiu para o Complexo da Penha, onde recebeu abrigo de líderes da facção. No entanto, a ação rápida da DHC permitiu sua localização e prisão na própria comunidade do Fontela.

Investigação e prisão: a busca por justiça

A DHC agiu com agilidade para identificar e prender o autor do crime. O adolescente, que já tinha passagem pela polícia por envolvimento com o tráfico, confessou o homicídio durante interrogatório. Ele afirmou que agiu sob ordens diretas de seus superiores no CV, seguindo as regras estabelecidas para a “segurança” da comunidade.

A prisão do menor, no entanto, não ameniza a dor da família de Diely. “Mais uma família devastada pela criminalidade do Rio de Janeiro. Agora, essa família é a nossa”, desabafou Tamires Pontes Coletti, prima da vítima, em postagem nas redes sociais. O corpo de Diely foi transladado para Candiba, no interior da Bahia, onde foi sepultado em meio a comoção de familiares e amigos.

Repercussão e contexto da violência

O caso chocou o país e reacendeu o debate sobre a segurança pública no Rio de Janeiro. Apesar de dados recentes apontarem uma melhoria nos índices de violência – como a redução de 50% nos homicídios entre 2018 e 2023, segundo a Fecomércio-RJ –, o crime contra Diely evidencia a fragilidade dessa aparente estabilidade.

A pesquisa da Fecomércio-RJ também revelou que seis em cada dez turistas se sentiam seguros na cidade. No entanto, episódios como este mostram que a sensação de segurança pode ser ilusória, especialmente em áreas onde o Estado convive com a influência do crime organizado.